Tendo vivido quatro anos na Austrália com a futura possibilidade de obter cidadania Australiana, algo me fez voltar à Pátria. Várias razões pessoais influenciaram esta decisão mas não contam a história toda. A saudade de que tanto se fala na língua portuguesa é real. É real no sentido em que poucos países conseguem criar este laço de afinidade tão profundamente. E não se sabe explicar bem porquê. Isto porque não se explica, sente-se.

Esta saudade, que tanto pode ser imperceptível como agonizante, possui um lado negro. Não é de todo incomum um emigrante que vem de férias, passados poucos dias (às vezes horas!), sentir repulsa ou aborrecimento pelo país que tanto ansiava momentos antes no avião. E repete a si próprio, como uma memória esquecida, as razões pelas quais decidiu sair. E ele sai outra vez. Mas invariavelmente volta a ser atormentado pela saudade, sendo este ciclo ad infinitum.

Esta contradição de sentimentos é tao marcada que parece haver uma divisão do individuo: há o Português em Portugal e há o Português fora dele. Com base na minha experiência pessoal, gostaria de oferecer a minha opinião sobre este tema com todos os meus preconceitos à mistura. Muitas das críticas que farei também se aplicam à minha pessoa e não são exclusivas de Portugal, mas expressam-se distintamente no nosso país pelas mais variadas razões culturais, históricas ou económicas. Como escreveu Tolstoy “todas as famílias felizes são iguais; cada família infeliz é infeliz à sua maneira.”

 

Em Portugal

Espaço Público e Medo

De onde vem esta repulsa do emigrante quando chega a Portugal? Um dos motivos vem do sufoco intelectual e emocional que existe na nossa sociedade. Usarei um termo de José Gil em Portugal, Hoje – O Medo de Existir chamado espaço público. É um termo vago mas vamos assumir que o espaço público é um espaço onde há uma livre troca de ideias entre cidadãos portugueses, grupos ou insitituições. Acontece que Portugal não tem um.

Não temos um não porque ainda vivemos numa ditadura, mas porque ainda não a ultrapassámos a nível colectivo. Temos medo. Muito medo. Medo de dizer aquilo que realmente pensamos, medo de ser diferentes, medo do que os outros possam pensar de nós, medo de arriscar, medo de ofender, medo do sucesso dos outros. Em ultima análise, temos medo de ser nós próprios.  E isto propaga-se, como uma doença contagiosa, a todos os níveis da sociedade e da vida pessoal de cada um.

Para substituir a falta deste espaço público apareceram telejornais de hora e meia que criam uma ilusão de espaço público. Mas a televisão nunca poderá funcionar como tal devido ao sentido único de informação – os espectadores são apenas recipientes e não intervenientes. Com esta evolução temos telejornais que nos entretém aos invés de informar. Tornam-se o escape da nossa repressão dando a falsa sensação de estarmos informados e educados. Afinal de contas, se o Luís Marques Mendes (previamente Marcelo Rebelo de Sousa) não der a sua opinião ao Domingo sobre o assunto x que deverei eu pensar então? Não há alternativas em Portugal, isto porque os portugueses não falam uns com os outros ainda dominados pelo medo.

 

O Complexo do Sebastianismo

Por falar em Luís Marques Mendes, a sua desmesurada influência pode ser explicada pelo “complexo do Sebastianismo”, ou seja, a eterna espera pelo nosso Salvador. Um trauma profundo ao qual a Igreja Católica é em grande parte responsável em nome do Messias. Em Portugal, esse complexo é perfeitamente cristalizado pela morte trágica de D. Sebastião pelo qual ainda hoje esperamos que volte para que traga a nação à antiga glória.

Se acha um exagero basta olhar para casos mais recentes: Bruno de Carvalho, José Sócrates, ou até mesmo Salazar atingiram poder político devido a esta eterna procura. Aquela pessoa “que ponha ordem nisto tudo.” A própria dependência exagerada do Estado reflecte este fenómeno. Estamos sempre à espera de algo ou alguém que vá resolver os nossos problemas, e se este não o fizer, não hesitaremos em culpá-lo. Mas convém não esquecer que cada país tem o Governo que merece.

E isto não se resume à política. Por exemplo, no futebol, onde hoje em dia derivamos a maior parte do nosso orgulho nacional, vemos o endeusamento de personagens como Cristiano Ronaldo ou José Mourinho. Durante e depois do Euro 2016 que Portugal veio a conquistar, as pessoas mais distraídas lendo os jornais certamente pensariam que Cristiano Ronaldo sozinho e contra toda as dificuldades ganhou o desejado troféu, apesar dos seus companheiros incompetentes. De tal maneira, que os próprios jogadores pareciam acreditar nisto hesitando na sua capacidade individual e procurando sempre CR7, o Salvador.

Este complexo tem dois efeitos bastante nocivos para os portugueses. Primeiro, leva a uma natural irresponsabilidade. Se eu estou sempre à espera que alguém venha resolver os meus problemas então a motivação para eu próprio os resovler desaparece. E se Ele não aparecer prefiro recorrer ao tao típico queixume do que assumir responsabilidade. Segundo e como consequência, somos um povo à deriva, à espera que algo aconteça. As consequências são devastadoras: poupamos dinheiro para sobreviver em vez de investir; prioritizamos planos a curto prazo sobre os de longo prazo; bloqueamos iniciativas e talento emergente. E como culpar os portugueses? Se não há esperança no futuro, o mais importante torna-se assegurar a sobrevivência. Daqui surge o nosso “desenrasque”, algo que oiço muitas vezes como se fosse motivo de orgulho mas que no fundo reflecte falta de visão e grandeza.

 

Divisão Nacional

O nossa pequena geografia tem algo de poético. Presos entre o Oceano Atlântico e Espanha, virámo-nos para o mar com grande sucesso liderando os Descobrimentos. Infelizmente, já não há terras novas por descobrir e Espanha continua ao nosso lado. Seria de esperar que nestas circunstâncias olhássemos para dentro e nos tornássemos mais coesos. Mas tal não parece acontecer.

O que tem um Lisboeta em comum com um Transmontano? Pouco. Veríamos certamente maiores parecenças entre um Lisboeta e um Madrileno. Esse facto por si só não é um problema, pelo contrário, é notável a diversidade que existe em termos culturais e geográficos num território tão pequeno. O problema é que essas diferenças acabam por ser um factor de divisão e não de união. Em Portugal nunca se procura o tom comum mas sim o tom de discórdia. O que é que eu não concordo com esta pessoa? Como é que eu hei-de dizer mal disto? Assistam a um debate qualquer na televisão: falar uns por cima dos outros, constantes mudança de assunto, ataques pessoais e no fim quem fala mais alto “ganha.” Nunca o tema é sobre o que nos une, mas sobre o que nos separa. Repito – não falamos realmente uns com os outros. Esta característica leva a uma desconfiança entre cidadãos e regiões, falta de comunicação entre instituições nacionais, clubismo fanático, ou um total desinteresse sobre o que se passa no resto do país (a não ser que isso me afecte pessoalmente também).

A oficialização desta divisão é o custo das portagens em viagens nacionais. O valor exorbitante que se paga é revoltante. Não chega sermos pequenos ainda temos que ser mesquinhos. De que me serve ter auto-estradas se ninguém as usa? Uma viagem ao Alentejo demonstra esta realidade deprimente: auto-estradas em excelente estado completamente vazias e paisagens lindíssimas sem ninguém para as apreciar. Em nada contribui para uma maior união nacional.

A verdade é que não gostamos uns dos outros. Não gostamos uns dos outros porque não gostamos de nós próprios. No outro revejo em mim tudo aquilo que desgosto enquanto Português. Por isso não gosto dele.

 

No Mundo

O Português é bom emigrante. Dois motivos parecem-me evidentes: primeiro, a nossa facilidade em aprender novas línguas e em segundo lugar, e principalmente, a nossa capacidade de adaptação. O nosso “desenrasque” e estratégias de sobrevivência permitem que cheguemos a um país e nos consigamos adaptar a um novo modo de vida como se fôssemos um local. Um brasileiro ou italiano não tem esta facilidade apesar do seu gregarismo natural (por isso se vê comunidades destes países tão grandes e prósperas no estrangeiro). Quando eu vendia pastéis de nata na Austrália, ao fim de algum tempo conseguia adivinhar com bastante acerto a nacionalidade do cliente só pela sua aparência e a maneira como dizia “Boa tarde” excepto numa – os Portugueses claro. Esses eram sempre os mais dificeis e os últimos a revelar a sua nacionalidade. E só a revelavam quando tinham a certeza que eu era português e passado todos os testes de ‘portuguesismo’ a que era submetido.

 

Provincianismo

Mas com toda a nossa extensa diáspora (fragmentada como o nosso território), influência da língua portuguesa ou tremendo sucesso internacional de determinados cidadãos, não consigo deixar de sentir um certo provincianismo sofisticado. Continuamos desejosos em mostrar aos outros a nossa rica história, os nossos costumes, e tudo aquilo de que nos sentimos orgulhos enquanto portugueses. Por vezes faz-me lembrar uma criança a mostrar a um adulto o seu último desenho enquanto este a ouve pacientemente fingindo interesse.

Se formos ao Youtube, Reddit ou outra qualquer plataforma digital internacional repare-se que sempre que sai uma notícia ou vídeo sobre Portugal se encontra comentários em português que vão desde uma explicação em detalhe sobre a nossa realidade até ao típico “Portugal c******!” Não há nada de particularmente interessante sobre estes cometários isoladamente mas na sua regularidade e quantidade revelam muito sobre o subconsciente nacional. Estamos desesperados para ser notados, para que os outros olhem para nós como um país “a sério”, e para sermos validados pela comunidade internacional.

Ou vejamos o caso do turismo, em particular Lisboa. A cidade deve muito a este setor por certo, que o diga quem aqui morava há 10 anos atrás. Lisboa é única, com condições difíceis de encontrar noutras grandes cidades europeias: clima, beleza, história, comida, hospitaleira, preços acessíveis e praias relativamente perto. No entanto, neste crescimento vertiginoso a cidade arrisca-se a perder aquilo que a faz especial, em muito devido ao nosso provincianismo. Lisboa nunca será Paris, Barcelona ou Roma pois todas elas possuem factores impossíveis de replicar da mesma maneira que Lisboa possui os seus próprios méritos. Mas nós, no nosso complexo de inferioridade, queremos ser como os outros. Basta passear um dia em Lisboa: ouve-se falar estrangeiro por todo o lado, restaurantes caros e turísticos, rendas insuportáveis para os locais, lojas iguais ao que se vê nas outras grandes capitais, ou imóveis em obras sob investimento internacional. Estamos a ser comprados por pessoas que não vivem cá e que simplesmente querem fazer dinheiro. Arriscamo-nos a estandardizar e desvirtuar a cidade. Lisboa está na moda, é verdade. E quando deixar de estar? E depois? Seremos apenas uma capital europeia de segunda categoria?

 

Irrelevância

Pode ser que uma das causas deste provincianismo seja a nossa irrelevância como nação. Convém distinguir nação de indivíduos. De Portugal saem pessoas extraordinárias com enorme poder a nível internacional. Mas na maioria dos casos seria mais apropriado dizer que estes indíviduos são bem sucedidos apesar de serem e não porque são portugueses. Por exemplo, Portugal beneficia muito mais de Cristiano Ronaldo do que ele beneficia em ser português. Não será exagerado afirmar que ele é mais famoso que o seu próprio país.

Na Europa (sobretudo no Norte) ainda somos vistos como um país de pobres e preguiçosos. E isto dói. Bastante. Dói porque sabemos que não é verdade. Dói porque já fomos gigantes mundias. Dói porque sabemos que somos capazes de melhor. É uma das razões pela qual o futebol é tão popular. Aí, pelo menos, conseguimos competir com os melhores.

No Mundo esta percepção não existe. Se na Europa temos uma reputação medíocre, no resto do Globo pouca reputação há a melhorar. Creio que quem vive cá pode ficar com uma noção errada da nossa influência real fora de portas (com a notável excepção da nossa diplomacia). Nunca me senti tão irrelevante quando fui morar para a Austrália. A quantidade de vezes que tive de explicar onde era Portugal ou que não somos uma região de Espanha foram demasiadas para contar. O mesmo acontece a nível comercial. Vejam o que se produz em Portugal com óptima qualidade – vestuário, calçado, azeite ou cortiça – que depois são comprados por espanhóis ou italianos e vendidos como produtos dessa nação. Isto porque a marca Portugal não vende tão bem, apesar da mesma ou melhor qualidade. Isto contribuiu para que abrisse um negócio de vidro soprado com um amigo, porque acredito que podemos fazer frente ao glamour de países mais influentes.

Será justo afirmar que esta percepção está a mudar. Mas não chega. Podemos fazer muito mais. E temos de olhar para onde menos queremos ver – em nós próprios. A mudança não começa no Governo, no vizinho ou nas desculpas que eu conto a mim mesmo. As nossas condições são fruto daquilo que estamos dispostos a aceitar. E é certo e sabido que o português tem uma resistência ao sofrimento muito elevada. Neste caso, pode ser esse o nosso mal. Até quando vamos aguentar?

 

O Nosso Fado

Os portugueses não são melhores nem piores que os outros. Somos diferentes. Temos defeitos e qualidades como toda a gente. Pelo que escrevi acima pode-se pensar que tudo está mal em Portugal mas não é verdade. Não nos falta talento, ambição e alma. Porém, na nossa pequenez, estamos cegos perante as nossas qualidade. Na minha experiência internacional, creio que a maior qualidade cultural é a nossa flexibilidade. Somos capazes de lidar com pessoas de todos os estratos sociais, sobreviver às condições mais difíceis e atingir cargos importantes. Possuímos de certa maneira uma sabedoria colectiva que nos torna resilientes. E isto não pode ser ignorado. Na natureza e sob o principio da Evolução, esta é a qualidade mais importante numa espécie. Mas como seres conscientes viver para sobreviver é não viver de todo. Pergunto: porque não usamos este nosso instinto para prosperar e não apenas para subsistir?

Muitas vezes se fala em Destino e que o nosso é sofrer. Fado, saudade, melancolia são componentes indissociáveis da nossa cultura. Então sugiro que se o nosso fado é sofrer, então soframos. Soframos por aqueles que nunca conhecerão os prazeres de Portugal. Soframos não pelos portugueses, mas pelos que nunca o serão. Soframos pelos nossos antecessores que não poderão ver os frutos daquilo que começaram a construir. Da mesma maneira, soframos por nós próprios que nunca veremos os feitos que os nossos sucessores serão capazes. Se o meu fado como português é sofrer, então vou sofrer por coisas que valham a pena!